Criatividade e solidão são a fórmula para jogos de RPG de mesa minimalistas, descomplicados, sensíveis e... curiosos?
Lembro de quando ainda moleque ver a galera jogando Vampiro, D&D e GURPS, títulos clássicos de RPG (roleplaying game), um tipo de jogo de mesa onde uma galera se reune, assume um personagem e criam aventuras—sim, tipo o que rola em Stranger Things.
Mas me lembro também como era exaustivo participar daquilo, listas gigantescas de regras e dados, folhas de personagens e o caralho, dias de preparação pra partidas que acabavam deixando de existir em alguns dias—se você já jogou, sabe do que tô falando.
Curiosamente, hoje sou game designer de TTRPG, que é só outro nome para RPG (Tabletop Role-Playing Games, ou seja, jogos de RPG de mesa), e foi no universo indie que descobri uma verdadeira joia: os one-shots (jogos geralmente compactos, em formato de panfletos, feitos para serem jogados em uma única sessão) e o formato Journaling (ou "diário"). O que torna os jogos de diário tão especiais são as infinitas possibilidades de experiências que eles oferecem—podendo durar apenas alguns minutos ou se estender por meses—e, o melhor de tudo: você pode jogar sozinho!
Mas afinal, o que é um jogo de diário?
Os jogos de diário são uma espécie de “sub-categoria” dentro do RPG, mas a grande diferença deles em relação ao RPG tradicional é a liberdade total que oferecem ao jogador. Não é necessário um mestre (GM) para guiar a aventura; o próprio jogador é quem cria os eventos. Entre as principais características desses jogos, estão:
Uso de prompts: Pequenos parágrafos que descrevem uma situação ou evento e que o jogador deve explorar, criando a narrativa a partir disso.
Uso de oráculo: São listas de palavras ou frases que servem como guia para o jogador, ajudando a gerar novas situações e reviravoltas na história.
Registro da jornada: Nesses jogos é essencial registrar sua experiência, seja escrevendo em um caderno, gravando áudios ou até mesmo vídeos – exatamente como em um diário.
Formato solo: Esses jogos são, em sua maioria, feitos para um único jogador, mas podem facilmente ser adaptados para jogos em grupo.
Além do registro, muitos desses jogos exigem o uso de dados comuns de seis faces (d6) ou até baralhos de cartas (seja de tarô ou cartas comuns). Alguns jogos, como The Wretched de Chris Bissette, ainda sugerem o uso de uma torre de blocos (estilo Jenga) como parte da mecânica.
Apesar de sua simplicidade, esses jogos têm regras enxutas. Em geral, você raramente terá que acompanhar mais de três ou cinco status do personagem, e o combate, quando ocorre, é fácil de gerenciar. Inclusive, muitos desses jogos sequer possuem combate, eles são focados principalmente em resolução de problemas, conflitos de relação e escolhas morais e filosóficas.

O que você precisa para começar a jogar?
Não importa o tamanho do jogo de diário, ele sempre vai te dar um ponto de partida. Normalmente, você começa criando o seu personagem, anotando seu nome e algumas características, e logo em seguida, faz uma rolagem para determinar detalhes como onde está, para onde vai, o que está carregando e por aí vai.
Um bom exemplo disso é o Criaturas Insólitas, um jogo no formato mini-zine que criei durante o Tiny World TTRPG Jam no itch.io—essa é uma plataforma de desenvolvedores e artistas independentes, você encontra jogar de videogame, PC, RPG de mesa, quadrinhos e muitos mais, vale a pena explorar— no início de 2025. Nesse jogo sua personagem é uma Exploradora em um mundo fantástico, no qual você terá que viajar por diferentes lugares em busca de criaturas que ninguém conhece.
Para jogar, você precisa apenas de um dado de seis faces (d6). Você começa descrevendo quem é você e escolhendo um “tipo” de aventureiro, funciona como uma classe que te dá vantagens diferentes. Então você rola o dado para diferentes tabelas no oráculo, definindo coisas como: para onde você viajou, como está o clima nesse local, quais as características da criatura que você encontrou (cabeça, corpo e pernas) e você pode testar sua sorte para tentar se aproximar dela. Uma vez que você tenha essas informações do oráculo, você pode criar a sua aventura sozinho ou usar uma lista de perguntas que o jogo te dá para construir a narrativa, como: “como você chegou a esse lugar?”, “como é o habitat da criatura?”, “o que ela estava fazendo quando você a viu?” etc.
E aí, que tal encarar sua primeira aventura? Vou deixar sugerido o Criaturas Insólitas, pois criei ele para ser bem minimalista, você consegue imprimir em uma folha A4 e só precisa de um dado comum. Ele possui um pequeno custo, mas você pode descer até o final da página e pegar uma cópia comunitária.
Também vou deixar algumas sugestões de jogos que gosto muito e podem ser interessantes para você (a maioria deles está em inglês, a comunidade LATAM de RPG costuma produzir os jogos nessa língua, pois tem um alcance maior dentro do itch.io para comercialização, porém, alguns deles talvez tenham versões em Português ou Espanhol).
Satheru, the Mayhem Beast, de Odd Press—esse é meu jogo mais recente, terá cópias comunitárias disponíveis em breve, mas também possui versão teste enquanto está no #ZIMO (mês comemorativo de zine onde designers do mundo todo fazem financiamentos coletivos de seus jogos). Ele é uma aventura baseada em parágrafos e oráculo na qual você embarca em um navio em busca de uma monstro mítico e tem que narrar seus dias em um diário.
Her Odyssey, de S. Kaiya J.—é um jogo incrível sobre exploração, você é uma andarilha em busca de um novo lar ou um novo caminho na vida e terá que enfrentar diferentes desafios na sua jornada (grátis).
Last Tea Shop, de Spring Villager—você é dona de uma loja de chá que fica em um plano etéreo onde espíritos passam antes do descanso, você atende seus clientes e conversa com eles também, um jogo cozy e bem introspectivo (grátis). Possui também uma versão expandida paga.
Thousand Year Old Vampire, de Tim Hutchings—principalmente baseado em parágrafos (prompts), esse é um jogo incrível onde você narra sua experiência ao conhecer um antigo vampiro, correndo risco de virar janta dele (possui cópias comunitárias).
All We Love We Leave Behind, de World Champ Game Co.—aqui você assume uma personagem que foi deixada para trás por alguém e através de oráculos, você escreve cartas para essa pessoa falando sobre eventos da sua vida e outros conteúdos emocionais (grátis).
Eleventh Beast, de Exeunt Press—uma experiência levemente diferente, esse jogo investigativo te coloca numa caçada por um monstro, você se move por um mapa e colher informações para “descrever” o seu dia a dia em busca da criatura (possui cópias comunitárias).
Anamnesis, de Blinking Birch Game—você joga como alguém que acordou sem memórias e usar alguns oráculos para refletir sobre seu possível passado e juntar esse quebra-cabeças (possui cópias comunitárias).
Artefact, de Jack Harrison—um jogo sobre artefatos, você é um item lendário e narra aventuras pelas quais você participou estando em posse de heróis e outros personagens, é super interessante e diferente dos demais, um pouco mais denso em questão de regras. Ele eventualmente fica com cópias comunitárias disponíveis.
Por ora é isso, até logo.
xoxo
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