13 fevereiro

Breve história e filosofia do Jardim Digital por Maggie Appleton (2021?)


Captura de tela do topo da página da postagem original.
Texto original—A Brief History & Ethos of the Digital Garden, de Maggie Appleton - Aprox. 2021—https://web.archive.org/web/20250125020950/https://maggieappleton.com/garden-history/

Obs: para preservar algumas informações contidas no site, optei por adicionar links de direcionamento e capturas de tela dos tweets e outros links do texto original.

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Uma filosofia recentemente reavivada para a publicação de conhecimentos pessoais na Web


De volta em Abril de 2020, I fiz um longo thread no Twitter sobre o trend crescente da Jardinagem Digital. Ele juntou um burburinho e deixou claro que estamos num momento em que há algo culturalmente atraente neste conceito.

Captura de tela do tweet original.

Minha pequena coleção destacou vários sites que estão adotando uma nova abordagem para a forma como publicamos conhecimento pessoal na web.

Eles não seguem as convenções do “blog pessoal” como o conhecemos. Em vez de apresentar um conjunto de artigos refinados, exibidos em ordem cronológica inversa, esses sites funcionam mais como wikis dinâmicos e em constante evolução1.

Um jardim é uma coleção de ideias em desenvolvimento, que não são rigidamente organizadas pela data de publicação. São, por natureza, exploratórias – as notas são conectadas por associações contextuais. Elas não são refinadas nem definitivas – são pensamentos inacabados, publicados para crescer e evoluir com o tempo. São menos rígidas, menos performáticas e menos perfeitas do que os sites pessoais aos quais estamos acostumados.

Isso remete aos primórdios da web, quando as pessoas tinham menos noções sobre como os sites “deveriam ser”. É uma filosofia ao mesmo tempo clássica e reinventada.

Uma Breve História dos Jardins Digitais

Vamos fazer uma pequena viagem até a origem dessa expressão. A noção de um jardim digital não é uma invenção de 2020. Ela circula há mais de duas décadas. Porém, ela passou por algumas mudanças de significado ao longo do tempo, assumindo sentidos diferentes para diferentes pessoas. Como as palavras tendem a fazer.

Rastrear o surgimento de neologismos nos ajuda a entender por que essa palavra se tornou necessária em primeiro lugar. A linguagem é sempre uma resposta ao mundo em constante transformação — expandimos nosso vocabulário quando ele não consegue mais capturar o que estamos observando ou quando sentimos a necessidade de moldar o futuro de determinada maneira. Nomear algo é um ato tanto político quanto poético.

Os Primeiros Jardins do Hipertexto

O ensaio Hypertext Gardens, de Mark Bernstein, publicado em 1998, parece ser a primeira menção registrada do termo. Mark fazia parte do grupo pioneiro do hipertexto – os desenvolvedores que estavam descobrindo como organizar e apresentar esse novo meio.

Embora o ensaio seja uma bela ode à exploração livre da internet, ele trata menos da construção de espaços pessoais na rede e mais de um manifesto sobre fluxos de experiência do usuário e organização de conteúdo.

Vale destacar que os gráficos de Mark são de tirar o fôlego.

Para situar isso em seu contexto histórico, a escrita de Mark fazia parte de uma conversa mais ampla que acontecia ao longo dos anos 90 sobre hipertexto e suas metáforas.

Os primeiros adotantes da web estavam imersos na ideia da rede como uma paisagem comunitária labiríntica, cuidada por WikiGardeners e WikiGnomes2. Esses criadores buscavam possibilitar experiências de navegação não lineares, permitindo que os usuários escolhessem seus próprios caminhos, ao mesmo tempo em que forneciam sinalizações suficientes para que ninguém se perdesse nesse meio novo e desconhecido.

Os debates da época sobre esse tema ficaram conhecidos como O Problema da Navegação3 – a questão de como oferecer orientação suficiente para que os usuários explorassem livremente a web, sem forçá-los a experiências de navegação pré-determinadas. A eterna luta para equilibrar caos e estrutura.

"A expansão desordenada do hipertexto é um deserto selvagem: complexo e interessante, mas pouco acolhedor. Coisas fascinantes nos esperam entre os emaranhados, mas podemos hesitar em atravessar a vegetação densa, sujeitos a espinhos e mosquitos."4

Embora o ensaio de Mark abordasse problemas diferentes dos que enfrentamos na web hoje, sua essência parece alinhada com nossa compreensão emergente sobre os jardins digitais. Ele captura o desejo por experiências exploratórias, a valorização das esquisitices digitais e uma saudável resistência a estruturas hierárquicas rígidas.

Após o ensaio de Mark, o termo jardim digital ficou praticamente em silêncio por quase uma década.

Jardinagem Digital no Twitter

Em abril de 2007, quando os primeiros tweets começaram a ecoar pela internet, Rory Sutherland (curiosamente, vice-presidente do Ogilvy Group) usou o termo jardinagem digital, mas o definiu como “perder tempo sincronizando coisas, desfragmentando – como podar, só que para jovens”5.

Captura de tela do tweet original.

As próximas dezenas de menções no Twitter seguiram esse mesmo sentimento – as pessoas usavam o termo para descrever a manutenção digital, ou seja, o ato de organizar e limpar seus espaços digitais. O foco estava em classificar, remover excessos, podar e arrumar, em vez de cultivar e fazer crescer. Mencionavam a limpeza de pastas privadas, bases de código e álbuns de fotos como parte de seus esforços de jardinagem.

No entanto, essas pessoas estavam mais arrumando do que cultivando seus jardins digitais.

Captura de tela do tweet original.

Captura de tela do tweet original.

Captura de tela do tweet original.

Desde que nenhuma dessas pessoas fez referência à noção original dos anos 90 de jardinagem digital, nem mencionou questões de navegação em hipertexto, esse uso do termo parece ter sido apenas um desvio breve. Dado o tamanho reduzido do Twitter na época, é provável que essas pessoas pertencessem aos mesmos círculos sociais e estivessem apenas ecoando umas às outras. Não faz necessariamente parte da narrativa principal que estamos acompanhando, mas mostra que o termo nunca teve um significado estritamente fixo.

Dito isso, um certo grau de faffing about (perder tempo organizando), classificar e podar faz, sim, parte da prática da jardinagem digital – embora seja algo melhor aproveitado com moderação.

Jardins, Fluxos e as Metáforas de Caufield

No evento Digital Learning Research Network de 2015, Mike Caufield apresentou a palestra The Garden and the Stream: a Technopastoral. Mais tarde, esse material se transformou em um ensaio extenso que estabeleceu as bases para nossa compreensão atual do termo. Se alguém pode ser considerado a principal referência sobre jardinagem digital, esse alguém é Caufield. Foi ele quem articulou essa ideia de forma poética e coerente.

Caufield deixa claro que a jardinagem digital não se trata de ferramentas específicas – não é um plugin do WordPress, um tema do Gatsby ou um template do Jekyll. Trata-se de uma nova forma de pensar nosso comportamento online em relação à informação – um processo que acumula conhecimento pessoal ao longo do tempo em um espaço explorável.

O principal argumento de Caufield é que fomos arrastados pelos fluxos – a redução da informação a cronologias lineares de eventos. O design baseado em feeds conversacionais, como caixas de entrada de e-mails, chats em grupo e redes sociais (InstaTwitBook), é efêmero – essas plataformas priorizam pensamentos imediatos, que passam rapidamente diante de nós6.

Isso não é, por si só, algo ruim. Os fluxos têm seu tempo e lugar. O Twitter, por exemplo, pode potencializar pensamentos exploratórios e encontros interessantes, desde que você esteja conectado às pessoas certas e saiba "jogar o jogo".

Porém, os fluxos só trazem à tona as ideias que estão no espírito do momento (Zeitgeist) – normalmente, as últimas 24 horas. Eles não foram projetados para acumular conhecimento, conectar informações dispersas ou amadurecer ideias ao longo do tempo.

O jardim surge como um contraponto a isso. Os jardins apresentam informações em uma paisagem interconectada, que cresce lentamente ao longo do tempo. Tudo é disposto e conectado de forma a permitir a exploração. Pense na forma como a Wikipedia funciona quando você começa a navegar de Bolchevismo para Mecânica Celestial e depois para o Número de Dunbar. Esse é o hiperlinking em seu melhor estado. No jardim, você escolhe ativamente quais trilhas seguir, em vez de depender de um fluxo efêmero filtrado por algoritmos. O jardim nos ajuda a sair das correntes temporais dos feeds e entrar em espaços de conhecimento contextual.

O Jardim é a web como topologia. A web como espaço. É a web integrativa, a web iterativa, a web como um arranjo e rearranjo de coisas entre si.

 Levando Adiante Caufield

Boas ideias levam tempo para germinar, e a visão de Caufield sobre o jardim pessoal não atingiu massa crítica imediatamente. Ela permaneceu dormente, esperando o momento certo e as pessoas certas para descobri-la.

No final de 2018, o canto do Twitter onde circulo começou a usar o termo com mais frequência – as pessoas começaram a compartilhar o artigo original de Caufield e a experimentar formas de transformar seus blogs cronológicos em jardins exploratórios e interligados.

O artigo Of Digital Streams, Campfires and Gardens, de Tom Critchlow, publicado em 2018, foi um dos principais pontos de partida. Tom leu o ensaio de Caufield e começou a especular sobre metáforas alternativas para moldar a forma como consumimos e produzimos informações. Ele sugeriu que acrescentássemos fogueiras à ideia de fluxos e jardins – os grupos privados no Slack, os anéis casuais de blogs e os espaços da Cozy Web, onde as pessoas escrevem em resposta umas às outras. Enquanto os jardins apresentam as ideias de um indivíduo, as fogueiras são espaços de conversa para a troca de pensamentos ainda não completamente formados.

Pouco depois, no início de 2019, Joel Hooks publicou My blog is a digital garden, not a blog. Joel focou no processo de jardinagem digital, enfatizando o crescimento lento das ideias por meio da escrita, reescrita, edição e revisão de pensamentos em público – em vez de simplesmente publicar opiniões totalmente formadas na web e nunca mais alterá-las.

Joel também adicionou o artigo How the Blog Broke the Web, de Amy Hoy, à lista de ideias influentes que nos levaram à atual fascinação pelos jardins digitais. Embora não seja especificamente sobre jardinagem, o texto de Amy nos fornece um importante contexto histórico. Nele, ela explora a história dos blogs ao longo das últimas três décadas e identifica exatamente quando nos tornamos obcecados por publicar nossos pensamentos em ordem cronológica reversa (spoiler: por volta de 2001, com o lançamento do Moveable Type).

Amy argumenta que o Moveable Type não apenas nos lançou na "Era da Ordenação Cronológica", mas também matou a diversidade selvagem e a personalização caótica dos sites que caracterizavam a web primitiva. Em vez de codificar manualmente seu próprio layout e decidir exatamente como organizar seu espaço digital, passamos a entrar na era dos layouts padronizados. Modelos plug and play, nos quais você apenas insere o conteúdo, tornaram-se a norma. Editar HTML e CSS por conta própria se tornou algo mais difícil e tecnicamente exigente.

De repente, as pessoas não estavam mais criando homepages ou mesmo páginas da web... elas estavam escrevendo conteúdo para a web dentro de campos de formulário e áreas de texto dentro de uma página da web.

Muitas pessoas lamentaram a lenta transição da web, passando de homepages únicas para um oceano sem graça de temas genéricos do Wordpress. A jardinagem digital faz parte da resistência contra a gama limitada de formatos e layouts padrão da web que agora tomamos como garantidos.

Ao longo de 2019 e no início de 2020, mais e mais pessoas começaram a explorar o conceito. Shaun Wang compilou os Digital Gardening Terms of Service. Anne-Laure Le Cunff publicou um guia popular sobre como configurar No-code Digital Gardens. A comunidade IndieWeb organizou uma sessão pop-up para discutir a história dos commonplace books, wikis pessoais e palácios de memória.

No final de 2020, esse conceito atraiu atenção suficiente para que o MIT Tech Review publicasse um artigo curto sobre o assunto. Talvez esse tenha sido o momento decisivo em que uma palavra-chave do Twitter realmente "chegou lá".

Captura de tela da publicação mencionada. Legenda traduzida "Uma matéria sobre jardinagem digital na MIT Technology Review."

(continua...)


1 A autora usa a frase "these sites act more like free form, work-in-progress wikis", sendo assim, o free from foi traduzido como dinâmico e work-in-progress, pela sua intenção de "trabalho em progresso", foi contextualizado dentro de constante evolução. O que ela quer dizer, de forma prática, é que não há um compromisso com conteúdo finalizados, pois eles são revisitados esporadicamente e alterados durante esse processo contínuo—uma referência interessante ao "cultivar".

2 Na verdade, o uso original do termo era diferente. Um WikiGardener planta, cuida, poda, organiza e, de modo geral, cultiva o espaço. Já um WikiGnome corrige pequenas falhas e faz pequenos trabalhos de manutenção. Ambos são essenciais, mas eu aspiro a ser um WikiGardener.—tradução direta de—https://wiki.c2.com/?WikiGardener (Backup—https://web.archive.org/web/20240810141007/https://wiki.c2.com/?WikiGardener).

3 O link leva para o artigo de M. Levene do departamento de Ciência de Computação do University College London—https://titan.dcs.bbk.ac.uk/~mark/download/gfkl_web.pdf (Backup—https://archive.org/details/documents_20250213).

4 Citação de Mark Bernstein—https://web.archive.org/web/20240616184542/https://www.eastgate.com/garden/Gardens_and_Paths.html

5 Para aqueles de fora da Commonwealth, "faffing" significa perder tempo sem um objetivo claro ou sem produzir algo útil.

6 Embora isso possa parecer óbvio agora, a streamificação de tudo ainda estava surgindo por volta de 2015.

4 comentários:

  1. Parece obra do destino, eu acabei de editar um post envolvendo esse tema e fui dar uma olhada no blogueiros raiz, e achei seu blog abordando esse tema. Vou ficar no aguardo para o complemento desse post! Adoro esse assunto e adorei conhecer teu blog!

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    1. oie lana, então, tenho visto um burburinho na internet sobre esse tema, acredito que seja realmente a saturação da hiperprodutividade que dá puxando e trazendo soluções e outras filosofias sobre como lidamos com as informações online... é massa isso né, acredito muito que já chegamos no ápice do produzir—pensando no artesanal, e com as tecnologias generativas, vai acabar se criando uma carência para retornar à origem, eu acho. obrigado por estar aqui e até logo xoxo

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  2. Confesso que não conhecia o tema! Vou explorar! Muito obrigada!

    Bjxxx,
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    1. Hey Teresa, mas é bem maneiro né! Outra forma de ver como nos relacionamos com pensamentos e tal. Explora sim, eu vou tentar dar continuidade nesse post mais tarde. Até logo!

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